Além de não conseguir reduzir a violência, a guerra
contra o narcotráfico, declarada em 2006 pelo presidente Felipe
Calderón, fez com o que o México tivesse aumento "drástico" de violações
graves aos direitos humanos, quase nunca investigadas. A denúncia
consta no relatório Nem Segurança, Nem Direitos: Execuções, desaparições forçadas e tortura na ‘guerra contra o narcotráfico' do México, do Human Rights Watch, publicado no início deste mês.
O documento afirma que nos cinco estados pesquisados –
Baixa Califórnia, Chihuahua, Guerrero, Novo León e Tabasco – há fortes
evidências de que as forças de segurança participaram em mais de 170
casos de tortura, 39 desaparições e 24 execuções extrajudiciais desde
dezembro de 2006.
Com 229 páginas, o trabalho é fruto de investigação
realizada por meio de 200 entrevistas com vítimas e autoridades, 60
pedidos de informação pública e o exame de estatísticas oficiais.
"A taxa de homicídios aumentou mais de 260% entre 2007 e
2010. O governo estima que houve quase 35 mil mortes relacionadas com a
delinquência organizada entre dezembro de 2006 e final de 2010,
incluindo um aumento drástico a cada ano: passou de 2.826 mortes em 2007
a 15.273 em 2010. No que vai de 2011, a imprensa mexicana informou
sobre mais de 11 mil mortes vinculadas com o tráfico”, apresenta.
Na raiz do problema, o relatório aponta a escolha do
exército mexicano, com extenso histórico de violações, para fazer o
combate ao narcotráfico. Atualmente, mais de 50 mil soldados estão
envolvidos e assumiram papel da polícia e do Ministério Público -
patrulhar zonas, intervir quando houver enfrentamentos armados,
investigar crimes e obter dados de inteligência sobre organizações
criminosas.
De acordo com o documento, há um padrão de violações de
direitos humanos que sugere não fatos isolados, mas "exemplos de
práticas abusivas que são endêmicas na atual estratégia de segurança
pública”.
Há inclusive um padrão de vítimas – homens jovens, de
origem humilde, ou da classe trabalhadora. Segundo Human Rights Watch,
muitos tinham família e filhos pequenos e eram de diferentes profissões –
taxistas, mecânicos, empregados de fábricas e trabalhadores da
construção. As vítimas afirmaram não ter ligações com o tráfico, como
foram acusadas.
Além disso, as autoridades não dispunham de provas
independentes que corroborassem as declarações de culpa conseguidas
mediante tortura ou outros abusos. Apesar de tudo, o presidente Calderón
declarou publicamente que 90% das vítimas eram criminosos, um discurso
replicado por outras autoridades para legitimar a impunidade.
Na análise de Human Rights Watch, um dos principais
motivos dos altos índices de impunidade é o fato de os soldados serem
submetidos à jurisdição militar, uma instância apontada como parcial
pela Suprema Corte de Justiça do México e pela Corte Interamericana de
Direitos Humanso (CoIDH) – estes órgãos já até expressaram que os abusos
devem ser investigados em jurisdição penal ordinária.
"Entre 2007 e abril de 2001, os agentes do Ministério
Público militar iniciaram 1.615 investigações sobre delitos supostamente
cometidos por soldados contra civis. Nem um só soldado foi condenado
nestes casos”, enfatiza.
Outras autoridades também fazem "vista grossa”. Segundo o
relatório, os agentes do Ministério Público civil não adotam medidas
básicas – entrevistar testemunhas chave, visitar cena do crime – para
investigar denúncias de violações praticadas por policiais e demais
funcionários civis.
Human Rights Watch afirma ainda ter comprovado que
muitos funcionários judiciais participaram de violações de direitos
humanos. "Entre eles se incluem juízes que admitem provas conseguidas
possivelmente mediante tortura, agentes do Ministério Público que obtêm
‘confissões' de acusados que são mantidos incomunicáveis em bases
militares, e peritos médicos que omitem ou minimizam lesões quando
examinam os detentos”, revela.
Fonte: ADITAL