Grupos de mulheres nas madrugadas perambulam na Praia de Canoa Quebrada, distrito de Aracati, no litoral Leste do Ceará. Elas suscitam uma facilidade para a prostituição. Giram em torno dos "gringos", que após altas horas no consumo de álcool e drogas, já perdem a timidez e claramente se expõem e se insinuam à caça, sem censuras, das fêmeas oferecidas.
É uma afirmação preconceituosa? Não, a Polícia em Aracati sabe passo a passo como a atividade se desenvolve, sem precisar de circuito fechado de vídeo, informantes pagos ou até mesmo de pessoal infiltrado.
Pela madrugada, os frequentadores estão mais liberados para os prazeres do sexo e do consumo de drogas FOTOS: VIVIANE PINHEIRO |
O fenômeno consiste numa migração natural de mulheres de programas, que encontraram naquele trecho da costa uma "clientela" de estrangeiros, que se aproveitam da imagem hedonista do lugar.
Com suas falésias, boa oferta de pousadas e restaurantes, Canoa Quebrada ficou num meio termo, entre uma praia urbana (guardadas as proporções, semelhante a Pipa, no Rio Grande do Norte) e um lugar de beleza natural singular.
Liberal
A atração pelas prostitutas se deu, como afirmam seus moradores mais antigos, pela fama de lugar liberal e paraíso de alguns hippies retardatários da década de 1970. Em menos de duas décadas, a vida alternativa cedia lugar para os negociantes, que aproveitavam os louros da fama de paraíso de Canoa.
O presidente do Conselho Comunitário de Canoa Quebrada, Francisco Edvandro Ferreira, conhecido como Louro, reconhece que essas mudanças sem planejamento e sem visão sobre os danos morais acarretaram o aviltamento da praia.
O líder comunitário diz que as últimas décadas foram muito mais de descaracterização de Canoa. As boates e restaurantes, embora mudando de nomes e proprietários, passaram a contar com uma frequência que nada lembrava os visitantes pioneiros.
Assim como já foi Arembepe, na Bahia, despontava como um novo paraíso da contra cultura, após sua descoberta por cineastas franceses na década de 1960. As casas de palhas, concebidas com esse material exatamente, porque as residências deveriam ser móveis e ao sabor do movimento das dunas, cederam lugar a prédios de alvenaria, com piscinas e com uma rua principal mutante chamada "Broadway".
Esse corredor quase sempre foi garantia de noitadas regadas a álcool, drogas e o forró (ou ainda o tradicional reggae).
A prostituição, conforme conta Edvandro, não é fato novo. Mas nunca antes naquele trecho do litoral, houve tanta liberdade e demanda para a promiscuidade. Além de Fortaleza, as mulheres chegam de cidades vizinhas e até de um outro Estado, como o Rio Grande do Norte. "Nada substitui o ser humano. E o nosso nativo, em sua grande maioria, foi rebaixado a uma condição inferior", afirma Edvandro.
Afinal, como avalia, não poderia se pensar em um patamar mais elevado, quando as drogas se disseminam entre pacatas comunidades nativas, dentre elas a dos Esteves. Também os crimes envolvendo partilha e prestação de contas em torno do narcotráfico passaram a se tornar mais frequentes.
"Canoa Quebrada ficou pequena para tantos investimentos. Não houve sequer um planejamento de como comportaria a demanda de leitos na baixa estação", diz o comerciante Luís Osvaldo Cardoso.
Um sistema de monitoramento eletrônico proporcionaria inibiria a prática criminosa que ocorre publicamente na área central |
Na sua opinião, a principal degradação do lugar foi a moral, onde os nativos exploraram o que podiam com a prostituição e o narcotráfico. Resultado disso, são casos de morte por overdose, inclusive de um espanhol no ano passado, brigas por pontos de drogas, venda do crack e até jovens que agem ou como "aviões" para o transporte de drogas até o viciado, ou roubam, matam e morrem pela posse da pedra.
O Ministério Público em Aracati é favorável ao incremento da atuação policial nas praias do município. Do mesmo modo, entende-se que é igualmente necessário ter clínicas especializadas para a desintoxicação de viciados, pois somente assim se pode diminuir a demanda de drogas, inclusive na zona rural. Por enquanto, a ideia existe apenas no papel.
Preços
25 reais é quanto custa a menor porção de cocaína vendida em Canoa. A "parada" pode custar R$ 50,00, como é conhecida no lugar. Já as pedras de crack custam de R$ 5 a R$ 10.
DELEGADO ADVERTE
Plano de segurança envolve pouca verba
"O governo tem gasto milhões de reais para divulgar o litoral cearense no exterior. Enquanto isso, alguns milhares desse dinheiro seriam suficientes para se implantar um plano de segurança e pôr um fim ao estigma de praia violenta, promíscua e tomada pelo narcotráfico".
A afirmação é do delegado titular da Delegacia Regional de Aracati, João Eudes Félix Moreira, que reclama da falta de um plano de segurança, apesar das autoridades estarem conscientes do agravamento da criminalidade naquele local.
Eudes, através de um projeto concluído em janeiro de 2009, considera como fundamental a construção de um posto avançado da Polícia Federal, a exemplo do que existe na Região Sul, na cidade de Juazeiro do Norte.
O posto, como quer o delegado, deveria ser instalado no entroncamento da BR-304 com a CE-261 que dá acesso ao município de Icapuí, onde as ações preventivas contra o crime organizado nesse corredor e saída de bandidos do Estado inibiria a prática de crimes em todo o litoral Leste.
Ele também defende a criação da Delegacia de Narcóticos ou uma Divisão Antidrogas do litoral Leste, com sede em Aracati, estruturada com meios e pessoal no objetivo de que os delegados desenvolvam um trabalho de Polícia Judiciária.
"Pedimos, principalmente, a construção de um centro de tratamento e profissionalização para usuários de drogas, principalmente jovens e adolescentes. O tratamento adequado e a profissionalização em oficinas de trabalho garantirão, a essas vítimas da sociedade, o lançamento no mercado de trabalho e a inclusão social, onde sem dúvida estaremos dando um "golpe" nas finanças dos traficantes sem precisar prendê-los", afirmou Eudes.
Recursos
Contudo, o que mais reclama é da falta de recursos para a atividade policial. O trabalho investigativo, como recrutamento de informantes, acaba representando um custo, que sai de seu bolso. "São atividades simples, mas não contamos com recursos e sequer com a determinação em resolver, de fato, essa situação", afirma o delegado.
Ele lembra que desde 2009 traçou um plano de segurança, que envolvia parceria com o poder público e inclusive a iniciativa privada, os comerciantes locais, mas até o momento não verifica uma adesão às ideias já postas no papel.
ESTRUTURA PRECÁRIA
Polícia não inibe criminosos
A decoração natalina retardatária pode conferir uma beleza suplementar a Canoa Quebrada, mas é vista como mais um recurso "trash", do que ajustá-la no âmbito de uma praia moderna. Essa é a opinião, por exemplo, da artesã Michele, como prefere se identificar.
Michele está há um ano atuando na praia com o artesanato à base de palha de coco e penas. Ela lamenta que a cada ano, o lugar se apresente ainda mais corrompido e abandonado pelo poder público. "Não é só o fato de se retirar ou não a iluminação natalina. São muitos os aspectos que poderiam melhor garantir a presença de mais famílias", garante a artesã.
A opinião de Michele não é isolada. O delegado regional João Eudes Félix Moreira disse que a Segurança Pública está assistindo à droga se expandir em Canoa Quebrada, sem que se faça qualquer intervenção efetiva para combatê-la.
"Aqui, o crack chegou e se instalou de forma cruel. Temos mães que chegam aqui suplicando para que prendamos um filho. Isso se dá porque para elas se tornou insuportável a convivência com um viciado", disse.
Ele afirma que esses relatórios de uso e distribuição de drogas em Aracati e na região litorânea já é do conhecimento do GGI, inclusive tem destinado serviços de inteligência para reforçar as investigações. No entanto, considera que o enfrentamento do problema ainda tem sido insuficiente.
Para Eudes, a Polícia perdeu o foco quando começou a atacar as casas de meretrício de Aracati. Ele lembra que por ser uma região praiana, os cabarés fazem parte da tradição do lugar e não incomodam as famílias, uma vez que ficam em áreas afastadas e nas proximidades das rodovias estadual e federal. O problema é que, com o pretexto de se combater o tráfico de seres humanos, como afirma Eudes, as mulheres passaram a temer a convivência no meretrício e migraram para a Canoa Quebrada, onde a fiscalização é frouxa.
Erro
"Para mim, foi um erro estratégico, porque essas mulheres já não têm mais onde arranjar um meio de sobrevivência e recorrem aos prostíbulos", afirma o policial.
Ele diz que a falta de uma polícia investigativa fez com que se cometessem erros e exageros nos "lupanares", enquanto a droga deixava de ser combatida nas áreas turística e praianas do Município.
Fonte: Diário do Nordeste - MARCUS PEIXOTO - REPÓRTER
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